terça-feira, 2 de setembro de 2014

O funk é pop


Por: Eugênio Gomes

O funk carioca surgiu como uma manifestação cultural, uma forma das classes mais abastadas da metrópole mostrarem sua realidade. Apesar do estranhamento inicial e do preconceito sofrido, a realidade hoje é que o gênero conquistou cada canto desse país, e elevou seus representantes - ou seriam "suas"? - ao status de grandes artistas, arrastando multidões por onde passam, com clipes super produzidos e músicas entre as mais pedidas das rádios.

Não que não hajam homens bem sucedidos no mundo do funk (Naldo, Buchecha e MC Guimê estão aí para provar o contrário), mas as mulheres se destacam muito mais. E há um motivo para isso: o sexo oprimido por muito tempo ganhou sua voz nos subúrbios, e hoje as letras que exaltam o poder feminino estão nas bocas de milhões de brasileiros - inclusive do sexo masculino. A internet, aliás, é responsável por levar a mensagem dessas pessoas, do subúrbio até os condomínios fechados. Todos conectados na mesma rede.

Mas há um preço a se pagar para alcançar o sucesso nacional (e internacional, já que algumas dessas músicas já fazem sucesso espontâneo ao redor do mundo). A massificação sonora provoca, inevitavelmente, a perda de identidade. Há questões, vocabulário e realidades que são específicas para moradores de periferias. Para alcançar toda a nação, manteve-se o ritmo, mas se apostou em canções liricamente mais genéricas. É o caso do fenômeno Anitta. Seu repertório fala basicamente sobre dança, sensualidade, girl power, e - em alguns momentos pontuais e certeiros - sobre amor. Temas com os quais qualquer um poderia se identificar e com certeza são um dos motivos pelo qual ela toca em todo e qualquer lugar e tem um público de faixa etária variada. É uma forma de mostrar o poder das comunidades (mantendo o ritmo dançante e vocabulário raso, com erros da norma culta normais da realidade das classes mais baixas) e que todos, sem exceção, sofrem das problemáticas universais. Ou apenas querem dançar e se divertir. Anitta aliás, deu um passo a frente e misturou o funk com outros ritmos. Algumas faixas de seu repertório flertam com o pop, reggae e o rap, além de ter feito participações especiais com cantores de pagode, sertanejo e até no clássico especial de fim de ano do rei Roberto Carlos. Sem dúvidas, ela é realmente poderosa.



Caminho diferente para o estrelato seguiu Ludmilla. Antigamente conhecida como MC Beyoncé (Curiosamente, a alcunha de Mestre de Cerimônias é a primeira coisa que as cantoras perdem rumo ao sucesso nacional), a morena causou na internet com seu sucesso "Fala Mal de Mim", um hino de amor-próprio e uma mensagem mais que direta as críticas negativas e as fofocas. Ao ser contratada pela Warner Music (por sinal mesma gravadora de Anitta) e mudar oficialmente seu nome artístico, Ludmilla começou a fazer um som ritmicamente mais refinado, mas manteve o conteúdo lírico - a versão "rica" de "Fala Mal de Mim" é um mix perfeito entre o que o mercado quer das funkeiras e da personalidade da cantora, que lança seu primeiro álbum ainda esse mês.



Quando se fala de funkeiras que alcançaram o estrelato, entretanto, existe uma hors-concours: Valesca Popozuda. Tudo por um simples motivo: diferente dos dois exemplos acima, Valesca, antes da explosão nacional, tornou-se um ícone cult. Suas músicas que exaltam a libertação sexual feminina são repetidas a exaustão em diversos cantos do país e fizeram a funkeira cair no gosto não só das classes mais abastadas, mas também do público considerado alternativo - e também dos estudiosos. Muitas são as monografias, estudos e teses de mestrado e doutorado baseados no trabalho da cantora e discutindo a questão do gênero feminino na música. A CNN chegou a classificar Valesca como a "Lady Gaga" brasileira. Salvo as devidas proporções, podemos dizer que a funkeira tem o mesmo impacto que a americana no público homossexual, que a exalta provavelmente por sua luta pelas minorias - tendo ela inclusive gravado uma música especialmente para seu público LGBT. Para alcançar outras fatias de público, a cantora deu uma refinada nas letras (mas o antigo repertório ainda permanece nos shows). Resultado? Abraçada pela mídia, Valesca foi capa da edição brasileira da Vogue, uma das maiores publicações de moda do mundo. Além disso, seu último clipe serviu como propaganda de uma grande marca de produtos de limpeza, ato praticamente impensável no passado.



O funk evoluiu muito com o passar dos anos e tomou o país, enfrentando muito preconceito. Mas há algo que não se pode negar: do Oiapoque ao Chuí, o funk é pop. E o funk não poupa ninguém.

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