Por Eugênio Gomes
Neste final de semana, enfurnado na casa de um amigo em Bom Jardim, assisti a vários filmes. Entre eles, acabei reassistindo o quarto e último longa-metragem da franquia Pânico. Muito bom filme, aliás. A quadrilogia é bem eficiente (menos o terceiro, que é bem ruim mesmo). Mas não é isso que iremos discutir aqui. (Se você nunca assistiu a nenhum dos quatro filmes da série de Wes Craven, pare por aqui, ou prossiga por sua conta e risco. Contém spoilers!)
O cinema é cheio de assassinos notáveis, e você deve lembrar de pelo menos uns três. Mas Ghostface, o esfaqueador de boca escancarada da franquia, leva uma vantagem sobre todos os outros. Uma vantagem bem esquisita, aliás: ele é humano, mas não existe.
Isso mesmo que você leu. A maior vantagem de Ghostface é ser imaginário. E, ao mesmo tempo em que ele não existe de verdade, ele é de carne e osso, como qualquer uma de suas vítimas.
Deixe-me explicar (e é aqui que entram os spoilers): o assassino que aterroriza a todos nos quatro filmes é apenas uma (ou mais) pessoa(s) vestidas de capa preta e máscara. Simples assim. Você poderia ser o Ghostface com sua fantasia de Halloween comprada na Nat'spel. Por ser humano, Ghostface não é infalível: leva socos, chutes e pontapés, cai de escadas e leva tapas de suas vítimas - apesar de no final cumprir o seu papel. O que o torna grande é toda a histeria em volta dos assassinatos. E é esse culto jornalístico ao criminoso uma das principais críticas (mesmo que velada) dos filmes.
E é aí que entra a ironia da questão: o mascarado faz com que a pequena cidade de Westboro fique famosa, e a pobre Sidney Prescott (a única personagem relevante da carreira cinematográfica de Neve Campbell) se tornou a coitadinha-mor e claro, o caso inspirou filmes e livros na ficção, como aconteceria na realidade. Por isso, outros assassinos mascarados surgiram: todos tentando pegar uma carona no sucesso do primeiro. Por isso, novos filmes da franquia surgiram, todos tentando pegar uma casquinha do sucesso do original.
A metalinguagem é um dos grandes trunfos da série, presente desde a primeira e derradeira pergunta do assassino - "Qual o seu filme de terror favorito?" - até em pontos cruciais do roteiro ou em cenas divertidíssimas (como a sequência de abertura desse último filme). Mas deixemos os aspectos técnicos de lado e falemos da dualidade Sidney versus Ghostface: tanto um quanto outro representam fraquezas humanas.
Tá, acho que eu compliquei as coisas agora. Mas pode deixar que eu desenrolo. Sidney é sempre a vítima, que sofre com problemas do passado que nunca conseguiu superar. E esses eventos do passado voltam a atormentá-la, três vezes, em forma de pessoas sendo esfaqueadas ao seu redor por um serial killer sem rosto que recria a atmosfera de terror vivida por ela em 1996.
Enquanto isso, Ghostface nada mais é que o reflexo de nossos sentimentos mais obscuros: a vingança, a vontade de ser alguém importante ou raiva mesmo.
Resumindo: Não seja uma Sidney. Mesmo que seus problemas insistam em voltar, não os prolongue com livros e sequências cinematográficas de qualidade duvidosa. Mas isso não quer dizer que eu estou sugerindo que você coloque sua máscara e saia distribuindo facadas por aí, ok?
Porém, se o fizer, lembre-se: respeite as regras dos filmes de terror.
Nenhum comentário:
Postar um comentário